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A difícil arte do Cinema de Invenção da geração Nova Hollywood

Quem assiste Star Wars em plenos anos 2024 (oras, vamos entrar no clima de ano novo, site novo do Mando, sacumé né?) não faz muita idéia dos rolês tortos que o filminho dos heróis do espaço passaram pra poder entreter a gente e transformar a gente num bando de velhos que voltam a ser criança e até briga com criança se for preciso.

Por isso que muito marmanjo barbado tá lá nos perfis sociais berrando aos quatro ventos que “no meu tempo que era bom” e a gente fica meio perdido tentando entender se o tiozão tá querendo ser jovem pra debater Star Wars com a molecada ou se assumiu seu papel de vovô do rolê. Mas querem saber o que era do caralho e juntaria essa turminha da treta em prol de um movimento que só trazia alegria pra véio e novinho? Um movimento sem volta que nasceu no final da década de 1950 até meados de 1970 e que ficou conhecido como “contra cultura”.

Imagina os Estados Unidos que eram apenas os donos do mundo começando a passar vergonha alheia do American Way of Life e negando sua natureza auto suficiente que os bacanas chamavam de América Tecnocrática, algo como uma sociedade no auge da integração organizacional de um povo industrial. Trocando em miúdos num exemplo pros dias de hoje é o acesso que a gente tem à tecnologia a ponto de irmos na casa de um tio lá longe que não tem wifi e você tremer na base porque sua vida ficou inútil. E tudo isso só rolou porque os jovens daquela época estavam totalmente ligados aos movimentos pacifistas e movimentos negros que só surgiram porque a guerra fria e a guerra do Vietnã gerou lá na presidência de anos anteriores com o Joseph McCarthy em uma série de perseguições parecidas com essas que vivemos no Brasil em formato de amostra grátis do fantasma do comunismo.

Tudo isso porque a corrida Nuclear das grandes potências norte americana e soviética estava ali, pau a pau na treta de medir quem tinha a benga maior e acabou sobrando pra quem se manifestar? Pros universitários, os artistas de Hollywood, os pacifistas e os militantes em prol direitos civis. Essa galera que não tinha na época perfis sociais (eles eram felizes e não sabiam), lidava com a população no papo reto e a opinião pública começou a ver toda treta de forma muito negativa. Teve até um casal acusado de espionagem e que ao serem executados, seus filhos precisaram ser adotados. Chegamos perto desse climão na série The Americans e do filme do gênio Frank Darabont Cine Majestic (2001) com o Jim Carrey, um drama sobre um cineasta que perde a memória num acidente de carro e o bicho pega pra ele que é acusado de ter ligação com comunistas pra ficar em descrédito. Dramão dos bons, viu? Até vimos isso no vencedor do Oscar, Oppenheimer que pra jogar uma bigorna no peso da situação, também inventaram essa de “alá ele amiguinho dos comuna”.

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A batata só assou na mão do presidente Nixon que vendo a pressão popular aumentando, resolveu tirar as tropas do Vietnan em 1975 porque o filme tava queimadasso com toda população da capital menos os sulistas brancos conservadores que bateram de frente com membros representativos como Martin Luther King ou Malcon X (qualquer semelhança aqui do Professor X e Magneto é mera coincidência). Todo fervo que chacoalhou o território yanke atingiu a maior indústria americana de entretenimento: Hollywood que tava experimentando novas formas de fazer filme que negassem os valores do sonho americano que era propagado pelo cinema comercial. Essa treta dividiu os grandes estúdios e a indústria fílmica. Quase que reprisa revoluções que se separava a fábrica e o proletariado: a velha e a nova Hollywood.

Com a chegada do cinema sonoro em 1927, começa a expansão do cinema norte americano de Hollywood e como a gente sabe que as grandes guerras fizeram a Europa não acompanhar a maneira como os americanos faziam cinema, esse consumo cultural entrou no cotidiano que em qualquer pesquisa que a gente faça que analisa a mudança da era da modernidade para a pós-modernidade onde esse dia-a-dia das pessoas envolvam seus espaços e tempos. É como se as pesquisas mostrassem que quando a gente desde criança num recreio da escola conversasse sobre filmes se tornasse só nesse ato, um prova viva de como o cinema ficou grudado com nossa realidade. A cultura do audiovisual agora era a forte influência na vida das pessoas e ficou ainda maior com a chegada das televisões na década de 1950. Os americanos estavam então divididos entre eles mesmos, os mais velhos estavam ali achando que guerra era soberania e os jovens do movimento hippie com o “Faça amor, não faça guerra”, tinha também a influência do movimento beatnik com seu humanismo agressivamente ativista.

Clima pesou geral ali na casa dos anos 1960 em que ocorreram assassinatos como de John F. Kennedy em 1963; Malcom X em 1965; Robert Kennedy e Martin Luther King Jr. em 1968 que antecediam a guerra e o reflexo foi cair que nem uma bomba no cinema que ninguém mais queria ir porque estava recusando seu próprio território: os americanos que consumiam cultura, só queriam consumir obras mais reflexivas e que não entretece apenas. O cinema agora, as histórias narradas na tela de cinema e palco de teatro queria trazer significados mais abstratos, desconfortáveis, sem romantismo, sem heróis essencialmente bondosos. Os finais tendiam a ser mais ambíguos e trágicos. Os novos diretores estavam até fazendo filmes diferentes: não era mais estúdios com câmeras imensas, mas cinema direto, gravado na rua com atores não glamurosos e lembrava muito como os franceses faziam cinema no movimento Nouvelle Vague. Só que em Star Wars o apelo artesanal vem de atrair artesãos de um monte de filme de gênero (ficção, horror e fantasia) a fazer uma obra que se tornaria o portfólio eterno e fortificasse uma classe de trabalhadores que ninguém notava. (presente no documentário Light & Magic de Lawrence Kasdan de 2022)

Em meio a tantos filmes que mexeram com a juventude pelas questões de confronto como Bonnie & Clyde: Uma Rajada de Balas de Arthur Penn (1967), A primeira noite de um homem de Mike Nichols (1967) e principalmente Sem Destino de Dennis Hopper (1969), ao assistir estes filmes, a gente nota que o gosto e o perfil do público mudaram mais uma vez e o surgimento dos grandes lançamentos de verão proporcionou um novo e duradouro modelo de negócio para a indústria cinematográfica. Anos depois outros filmes sobre esvaziamento de protagonistas já longe do heroísmo mostravam como o cinema na década de 1970 não seria o mesmo no pós renúncia do presidente Nixon. Sérpico de Sidney Lumet (1973), A Conversação de Francis Ford Coppola (1974) e Taxi Driver de Martin Scorsese (1976) eram retratos da solidão e da instabilidade mental. Falar de “Nova Hollywood” é entender que cultura de entretenimento não é apenas fazer filmes pensando em bilheteria, mas que uma pessoa entre na sala de cinema e saia outra pessoa mediante a tudo que aquele filme vai te provocar durante o tempo que a sala de cinema apaga a luz e depois que acende. Algo raro nos dias de hoje que as pessoas com a cabeça cheia assistem filmes olhando no celular, ou que influenciadas pelas micro narrativas de tik tok, possam cansar de ficar numa sala tanto tempo parados. Contra Cultura que pariu a “Nova Hollywood” teve um tempo de vida considerável. Durante seus 13 anos de vida, foram produzidos mais de 150 filmes com alto valor artístico e representativo para a história do cinema.

Onde Star Wars se encaixa nisso?

Pronto, criaturas, chegamos no assunto do porque este texto existe. Hollywood estava num limbo de cinema e fez várias pesquisas de público pra entender como voltar a lucrar em meio ao clima pesadão que tava no ar de meio mundo com estes filmes que pareciam ressacas morais do mundo na cabeça no norte americano. Quando é que poderíamos pensar que Star Wars seria uma jornada fantasiosa ainda mais depois do fracasso comercial do seu primeiro longa-metragem em 1971, o filme de ficção científica sombrio, desapegado e altamente estilizado THX 1138 de 1971 (que também continha uma boa quantidade de nudez e violência que Hollywood estava preocupada em cortar pra atrair público adolescente), Lucas decidiu que tentaria em seguida um projeto mais otimista e emocionalmente envolvente, seja um nostálgico imagem autobiográfica sobre sua juventude em uma pequena cidade americana ou uma nova versão do Flash Gordon, uma série de aventuras de ficção científica de que ele gostava quando criança e que não conseguiria pagar pelos direitos de uma nova obra desta franquia.

Pra fugir do que era pra ser um novo Flash Gordon ou Buck Rogers, transformou a idéia em uma história original, baseado em sua extensa pesquisa sobre mitos, contos de fadas e histórias clássicas de aventura. Lucas até mostrou o esboço desse tratamento da história que foi rejeitado pela Universal, mas ele conseguiu fazer um acordo com a Fox em 1973. Desde os primeiros esboços, a história de Lucas combinou a representação de batalhas espaciais e galácticas misturando com aquilo que eles estavam vendo toda hora acontecer, uma guerra civil com fortes elementos religiosos e metafísicos, e contou com forte participação de adolescentes personagens, bem como figuras paternas. Embora Lucas sempre tivesse visto sua história como fantasia e conto de fadas, em vez de pura ficção científica, o famoso slogan “Há muito tempo atrás, em uma galáxia muito, muito distante…”, que ecoou tão evocativamente o clássico abertura de conto de fadas “Era uma vez…”, não apareceu até o quarto rascunho do roteiro em janeiro de 1976.

Outro elemento importante que sinalizou claramente o status de Star Wars como um história infantil foram os dois robôs que apareceram pela primeira vez em um esboço de 1974, e depois gradualmente quis mudar para o centro da história. Inspirado num filme menos conhecido de Akira Kurosawa “A Fortaleza Escondida” (1958), Lucas quis contar sua história épica do ponto de vista de dois marginais e personagens humildes: “Eu estava procurando a pessoa mais baixa na hierarquia”. Esta descrição se ajusta ao status social das crianças tanto quanto ao status social dos robôs que nesse mundo do filme seriam como servos, e o minúsculo R2D2 claramente serve como substituto para uma criança, embora muito precoce, enquanto C3PO pode ser visto como um irmão mais velho brigão ou até mesmo como um exigente mas uma figura materna carinhosa. Alguns amigos de cinema até falaram pro George Lucas não usar robíos, mas já lançar um Luke ali no começa da aventura pra ter identidade com uma figura humana, mas no filme final, em meio às batalhas espaciais e intrigas galácticas são mediadas pela dupla de robôs, que agem como uma equipe de palhaços pastelão ou personagens de desenhos animados, convidando assim especialmente os espectadores muito jovens a entrar na aventura do filme.

Uma personagem comparativamente secundária nos primeiros esboços e rascunhos e que se torna bastante central nas versões posteriores do roteiro e serve como um importante ponto de identificação, especialmente para jovens espectadoras é Léia. Ela é a única personagem mencionada no pergaminho de abertura do filme e, portanto, é apresentada como uma figura central na guerra contra o Império do Mal: “Perseguida pelos sinistros agentes do Império, a Princesa Leia corre para casa a bordo de sua nave, guardiã dos planos roubados que podem salve seu povo e restaure a liberdade na galáxia.” Além dos robôs, Leia também é a primeira personagem central a aparecer na tela. Lucas comentou posteriormente: “Senti que precisava ter uma mulher no roteiro. O interessante é que ela corre riscos, mas é muito capaz de se cuidar; centro da história… Ela é uma líder”. Já Luke era a figura a ser moldada pelo choque da perda dos parentes e que mesmo face a face com o mal iminente da galáxia, falava como sonhador em ser piloto. Ficou claro que Lucas gradualmente remodelou sua aventura espacial em um conto de fadas sobre personagens jovens e infantis, certificando-se de que a sequência de abertura ajudasse a facilitar as crianças, tanto meninas quanto meninos, no estranho e violento do filme, um mundo violento que todos fora da tela viveram e ainda herdavam da cultura que o mundo vivia e respirava.

 

Aqui, Lucas reconheceu a importância da interação entre pais e filhos na plateia, colocando os pais no papel de contadores de histórias de antigamente. E ele fez isso desde o início do filme, com o longo pergaminho de abertura que continha informações importantes que as crianças certamente gostariam de saber. Na reportagem de capa da edição de abril de 1977 da American Film, por exemplo, Lucas é citado dizendo: “Decidi que queria fazer um filme infantil, ir para a Disney no percurso do sucesso do filme”; porque percebeu que “toda uma geração crescia sem contos de fadas”. Somente a Fox que sabia o quanto o filme estava atraindo muitos adultos e não queria perder o apelo de ser um filme que atraísse tantas faixas de idade para se tornar espectadores. A declaração resumida da Variety em sua crítica de Star Wars dizia: “Excelente aventura-fantasia. Apelo para todas as idades”. Isso incluía enfaticamente as crianças, mas o revisor achou necessário contrariar preconceitos estabelecidos: “Não se engane – este não é de forma alguma um ‘filme infantil’ com todas as conotações depreciativas que acompanham essa descrição.”

Os poucos, até a galera que não ia muito com a cara do filme também reconheceu o apelo poderoso sobre as crianças. Molly Haskell, por exemplo, escreveu no Village Voice: (Star Wars atende) a um “mercado familiar” definido por sua idade entre 10 e 14 anos. Adultos que têm reclamado… que não há filmes para onde eles possam levar seus filhos agora estão tendo seus orações respondidas. Por que os filmes deveriam ser obrigados a realizar esta atividade cultural serviço de babá não sei, mas longe de mim proibir o mágico fórmula que pode manter a família americana unida e jovem para sempre! Sentou o traseiro na cadeira do cinema o pai e o filho e saíram ambos encantados com toda aquela viagem.

E no início do ano seguinte, uma manchete do New York Times proclamava: “Filmes de família de volta.” Cinemas na Broadway e nos subúrbios estavam mudando do sexo e da violência para a vida familiar. Foi relatado que um executivo de cinema disse que “previa ‘cada vez mais’ filmes gerais e familiares, principalmente pela impressionante sucesso de bilheteria de filmes como Star Wars”. Ironicamente, na sua concepção original, Star Wars estava, como vimos, muito distante da vergonhosa categoria do filme infantil, e foi somente seguindo a lógica do seu próprio material, e por estar aberto ao debate circundante sobre a necessidade de família entretenimento em Hollywood, que Lucas conseguiu criar seu filme mais influente. E mesmo se debatermos aqui fórmulas de atrair público e bilheteria, podemos dizer que Star Wars e muitos dos acontecimentos subsequentes o entretenimento popular é de fato voltado para a criança que existe em todos e para as crianças reais, visando as crianças como um segmento de público importante e até mesmo primário.

Se lá na contra cultura a idéia era fazer filmes que iam além da missão do entretenimento, filmes dirigidos a crianças e seus pais, bem como a adolescentes e jovens adultos, giram em torno das aventuras espetaculares de grupos familiares (muito poucos deles). que são famílias tradicionais e retratam a infância e a vida familiar de uma forma nada termos idealizados – perda, solidão e saudade, mentiras, traição e mal-entendido, latente agressão, culpa e um esmagador senso de responsabilidade, elementos estes que sempre queremos passar para consistência da micro célula social, a família. Luke é avisado de que mesmo poderoso, corre o risco de ser tão moralmente fraco e corruptível como seu pai, o malvado Darth Vader, ao mesmo tempo que se sente responsável para a redenção de Vader, bem como para o destino do universo conhecido, certamente não é uma tarefa fácil fardo para carregar. O pai de Luke briga e o fere gravemente em duas ocasiões e, o que é talvez pior, ele faz o possível para corrompê-lo. No final, é claro, Vader é redimido, mas ele morre no processo, assim como Obi-Wan e Yoda, aumentando a longa lista de pessoas que Luke perdidos em sua vida. A herança da maneira como os filmes da contra cultura deixaram o amargor do crescimento, estes filmes confrontam espectadores com uma visão muito desafiadora da infância, da vida familiar e do difícil processo de crescimento, que, no entanto, no final é sempre concluído com sucesso e compreendido e assimilado.

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