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A restrição e a oculta permissão do Código Jedi

À primeira vista o Código Jedi parece muito restrito. Além de ser construído a partir de oposições, ele também define um posicionamento desejado. A restrição aparente pode ser vista em cada um dos seus versos. Não há emoção, há paz / Não há ignorância, há conhecimento / Não há paixão, há serenidade / Não há caos, há harmonia / Não há morte, há a Força.

Pior para os olhos, cada pilar é interdependente do outro, o não cumprimento de um deles acarreta em uma falha do todo. Nesse sentido, para ter total entendimento e dominar todo o código também é preciso dominar todos os cinco pilares. Se você quiser ir mais a fundo no código em si, o Pensadores têm a sua análise de cada pilar e das suas relações mútuas no nosso episódio 10 “Ética Jedi e um diálogo com a filosofia grega”.

Mas uma introdução rápida talvez seja útil para a reflexão que eu queria dividir com vocês hoje. Os Jedi têm uma filosofia muito próxima da dos gregos antigos. O objetivo principal do Código Jedi é de o aluno alcançar a paz interior. O aluno precisa primeiro se conhecer para depois entender o mundo e por fim atingir a paz interior. O mestre Odan-Urr, o autor do Código moderno, entende ele como um processo, o que implica em um design geométrico espacial e não linear. A partir desse entendimento, a reflexão que eu quero propor é sobre a natureza da sua restrição.

 

Contexto

Do ponto de vista ocidental moderno, sim, o código Jedi é restrito. Ele não permite a gente se relacionar com situações, pessoas e objetos de maneira como nós fazemos na sociedade contemporânea ocidental. Por outro lado, é sempre necessário contextualizar a obra. O Código Jedi foi escrito em um tempo e por um grupo social com uma ética distinta da nossa, com outros significados de sentimentos, emoções, relações etc. Além disso, ele foi escrito para atingir um objetivo específico. A sua crítica deve sempre relativizar a maneira de como esse grupo se relacionava com o mundo. Na sua criação, ele não era menos restrito do que outras filosofias humanas de milênios atrás. Mas claro que isso não ajuda muito na contemporaneidade.

 

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Permissão e restrição

Restrição é por definição um condicionante, uma imposição de limite. Em um sentido amplo da palavra, tudo é restrito por vivermos em sociedade. A liberdade de alguém acaba quando esta se encontra na liberdade do próximo. Nós não percebemos a restrição na vida ordinária por ela estar normalizada. Um exemplo em que isso fica aparente é uma reunião de condomínio. Afinal é aqui onde se debate abertamente as regras e as liberdades de cada um e alguém sempre sai infeliz. Porém o que se pode chamar de “senso comum” sai prevalecido dentro dessa situação, por justamente a maioria, senão todos, terem entendimentos e valores minimamente similares.

A Permissão é uma autorização, um consentimento dentro de um cenário de restrição. Então, as duas palavras só existem por conta da outra. No âmbito social, os feriados são dias de permissão em que se tem o dia livre. Numa perspectiva histórica, o carnaval, na Europa medieval, era um dos mais permissivos do ano. No âmbito individual, permitir algo é uma maneira de burlar uma restrição previamente estabelecida. O famoso “dia do lixo” de uma dieta é o que melhor serve de representação deste ato. Afinal, é o dia em alguém não precisa seguir a dieta.

Nesse exemplo específico existe uma restrição, a alimentar, e um momento específico dentro desse período, da dieta, para poder se permitir, dia do lixo, para fugir da restrição. Retornando para a visão do todo, a vida ordinária possui diversas restrições e diversos momentos de permissão. O ato de permitir ocorre diversas vezes, se não diariamente, para fugir de tantas restrições que recaem sobre nós. Nesta perspectiva, há quem critique que a gente se permite demais, pode ter um efeito negativo.

 

Disciplina

Eu acredito que alguns níveis de disciplina são quase impossíveis de alcançar. Eu respeito e fico impressionado com aqueles que têm um alto nível de disciplina na vida. Principalmente pelo fato de hoje existirem uma infinidade de coisas que impossibilitam atingir esse nível disciplinar. Eu não parto do pressuposto que as pessoas consigam ser estóicos exemplares como o Código Jedi exige. A maneira como o Código deveria ser lido é mais como um guia para buscar objetivos definidos. Se o desejo não for necessariamente seguir todos os passos idealizados, ele pode ser visto como uma meta e um fio inspirador.

Disciplina não é sinônimo de restrição. Talvez aqui eu poderia usar a palavra “moderação” também. Então, para quem preferir essa linha use-a no momento que estiver escrito “disciplina”. E aqui eu queria enfatizar tanto a disciplina mental de autoconhecimento quanto em rotinas e hábitos. Por exemplo, o verso “Não há caos, há harmonia” não quer dizer simplesmente negar o caos dentro de si. Para se chegar à harmonia é necessário primeiro conhecer o próprio caos para depois atribuir controle sobre ele. O segundo passo seria organizar as turbulências, agitações e desorganizações. E assim se chegar à harmonia. Esse é um processo longo e complexo. No início existe a impressão de que aquilo tem uma alta restrição perante tantas coisas mais simples, prazerosas, rápidas que existem na sociedade do século XXI.

 

Imersão e autoconhecimento

Atingir o entendimento completo implica em imergir profundamente em cada momento presente. Para isso é preciso testar e adquirir experiências, mas não apenas fazer por fazer. Claro que tem coisas que a gente tem uma pequena oportunidade de tempo e espaço. Mas se for possível, invista mais, que isso vai ajudar a entender você mesmo no futuro. Reflita, organize os pensamentos. Se o objetivo é ter conhecimento e domínio dos sentimentos é importante saber identificá-los rapidamente e conseguir deixá-los sob controle. Idealmente uma autorreflexão acaba sendo uma prática automática depois de muito tempo. Todo Jedi foi imperfeito na sua juventude por ainda não ter a experiência adquirida pelo tempo. Se arrepender ou não de uma situação, é algo que veem com reflexão que irá permitir o entendimento posterior.

Talvez aqui eu já esteja quase dando um sermão que lembra muito do código. E aí eu pergunto de novo, soa de fato restrito? A restrição talvez se dê quando se imagina que a disciplina precisa estar presente 24 por 7 por 365 no ano. Talvez só o Yoda chegou lá, e olhe lá. Como dito acima, o Código é um guia para um objetivo específico. Para atingir qualquer objetivo é necessário sacrificar alguma coisa que esteja no meio do caminho. Igualmente como para melhorar o desempenho no esporte praticado, para emagrecer, para passar no vestibular etc. Quais restrições foram impostas? Com certeza houve diversas, porém foram permitidas com mais facilidades por estas restrições serem datadas.

 

Código Jedi no século XXI

No caso dos Jedi o fim da meta de viver de acordo com a natureza não existe, o que soa mais agoniante pela falta de prazo. Esse obejtivo ambicioso acarreta em revisitar a grande parte da visão de mundo. Quanto maior o desafio, maior será a restrição. As restrições estabelecidas pela vida ordinária não são perceptíveis e no momento em que uma nova doutrina interfere com as permissões, ela automaticamente se torna restritiva. Compreender e relativizar a dinâmica desses conceitos é importante para o autoconhecimento. Nenhuma situação será totalmente liberal em todos os aspectos. Dentro da sociedade do século XXI, o Código Jedi permite o seu aluno a parar e sair de uma rotina acelerada. É a permissão de ter tempo para si mesmo e relativizar o ritmo social imposto.

Talvez o Código Jedi tenha um anacronismo com a sociedade ocidental do século XXI. Mas a que preço? O quanto que citações, livros, espaços, conhecimento de filosofias antigas, tanto ocidentais quanto orientais não vêm ganhando espaço? A validade de sempre revisitar essa linha de pensamento é útil para relativizar a si mesmo. Use essas linhas de pensamento enquanto metas, como uma busca, talvez inalcançável, mas constante. Mas ao invés de apenas focar na restrição de uma mudança no estilo de vida, existe um benefício de enxergar as permissões que uma situação pode trazer. E isso é possivelmente o mais importante que a gente pode tirar. E quanto maior for a recompensa, as restrições que pareciam gigantescas no início da jornada se tornam cada vez mais desimportantes. Independente do patamar atingido.

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