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Resenha: Star Wars: Episódio II – Ataque dos Clones

Política de novo?

O texto de abertura do Episódio II da trilogia prequel não contribui muito para aliviar a ansiedade de quem achou a trama do filme anterior parada e complicada demais pelo excesso de politiquês. Falando sobre votação de propostas no senado e movimentos separatistas, as famosas letrinhas amarelas prometem uma experiência semelhante à do Episódio I, com cenas longas e diálogos morosos entre personagens que escondem suas emoções debaixo do entediante decoro parlamentar.

Não que política seja algo ruim ou mesmo fora de lugar em Star Wars. Desde o início da saga, George Lucas nunca escondeu o subtexto direto sobre a Guerra do Vietnã e as influências estéticas do nazismo na construção do Império. Mas em A Ameaça Fantasma, é justo dizer que ele quebrou as expectativas de muitos, trocando a agilidade aventuresca dos filmes originais por um foco maior na construção do cenário político de uma galáxia com vários conflitos em gestação, que se apresentam, naquele filme, mais pelos diálogos do que pela ação. Nesse sentido, o Episódio I é o mais perto de Star Trek que Star Wars já chegou.

Só que não demora muito para o Episódio II explodir essa expectativa de uma narrativa verborrágica — literalmente. Chegando em Coruscant para votar uma proposta sobre a criação de um exército da República, a ex-rainha e agora senadora Padmé Amidala sofre um atentado bombástico que coloca a trama em movimento: preocupados com esse evento, o Conselho Jedi designa Obi-Wan Kenobi e seu Padawan, Anakin Skywalker, a proteger Padmé. Mas, depois de um segundo atentado, os dois Jedis se dividem em funções diferentes, com Obi-Wan seguindo pistas numa investigação que o levará a descobrir verdades inconvenientes sobre a República, e Anakin escoltando Padmé no retorno ao seu planeta natal, que, para a infelicidade de ambos, é um local insuportavelmente romântico.

Anakin e Padmé quase em lua de mel.

O dinamismo e o fan service

Ataque dos Clones se move num ritmo bem mais ágil, quando comparado ao Episódio I. A partir da explosão inicial, cenas rápidas de diálogos costuram diversos set-pieces de ação que exploram um pouco mais os planetas apresentados no filme anterior. É o caso da ótima perseguição noturna em Coruscant, que se desloca de forma criativa pela verticalidade da cidade: o trânsito frenético que flutua sobre o topo dos edifícios e a aglomeração caótica no chão, por exemplo. George dirige a sequência com bastante energia, sem sacrificar a compreensão da narrativa e aproveitando o momento para explorar a discórdia que existe entre Anakin e Obi-Wan, que nunca parecem atuar como uma dupla verdadeiramente em sintonia.

Nesse trecho, também visitamos uma boate cyberpunk e descobrimos a ligação entre Zam Wesell, encarregada de assassinar Padmé, e o caçador de recompensas Jango Fett — um dos muitos acenos nostálgicos aos fãs da trilogia original, num movimento possivelmente apaziguador aos fãs que acharam que faltou familiaridade no filme anterior. É interessante, no entanto, que o fan service do Episódio II seja uma lembrança mais estética do que narrativa. George traz de volta o visual da armadura de Boba Fett, mas insere o personagem num contexto bem diferente, sendo o “pai” dos clones que formarão esse exército da República. Da mesma forma, o visual emblemático dos Stormtroopers é reconfigurado numa força militar que atua ao lado dos heróis, e não dos vilões… pelo menos por enquanto.

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Jango Fett e seu visual icônico.

Há quem considere que o excesso de ligações entre a trilogia clássica e os prequels reduza demais o universo, fazendo ele parecer conveniente e excessivamente conectado, e essa é uma ideia que pode ser amplamente defendida, caso se escolha olhar por esse ângulo. Pensando hoje em dia, no entanto, acho bem admirável que George se apoie na familiaridade apenas da camada visual, sendo que a história que ele conta é totalmente diferente e capaz de expandir a galáxia de um jeito muito mais rico do que a simples reciclagem de ideias sob uma nova roupagem.

Investigação e romance

Assim, o Episódio II se divide em dois tipos de história bem diferentes, que não haviam aparecido ainda na saga. A investigação de Obi-Wan vira uma homenagem aos filmes noir dos anos 1940 (lembro de ver Ewan McGregor citar o clássico detetive Dick Tracy, nos bastidores) e se aproveita do clima de desconfiança para começar a quebrar a imagem imaculada da República, algo que dialoga bem com a referência política de George Lucas à época: os Estados Unidos da era Bush utilizando um atentado como justificativa para entrar em mais uma guerra no Oriente Médio. Mesmo que a trama de Obi-Wan jamais replique o terror desses eventos reais (ou mesmo a estética marcante do film noir), é bacana que esse trecho do filme esteja ancorado em movimentos desse tipo.

Por outro lado, Anakin e Padmé vivem um romance à moda antiga, repleto de diálogos melodramáticos e excessivamente shakespearianos (“você está dentro de minha própria alma, atormentando-me”). O conflito existe pela proibição dos Jedi em se apaixonar, já que eles não podem manter vínculos que atrapalhem sua ligação com a Força, e confesso que nunca fui muito fã dessa ideia apresentada na nova trilogia, já que ela aproxima demais os Jedis de grupos religiosos celibatários e reduz a origem de um vilão tirânico e líder de uma força autoritária a quase uma simples vítima de uma tragédia amorosa.

Romance proibido.

Só que tenho repensado essa visão, observando não só em como é divertido ver George desbravando um terreno tão fora do seu domínio — o romance melodramático — e rendendo décadas de memes e momentos inusitadamente cômicos eternizados no coração dos fãs, mas principalmente porque é no Episódio II que se começa a perceber o quão emocionalmente traumática foi, para Anakin, essa manipulação de um Conselho Jedi apegado demais à frieza da lei, numa desconexão com o mundo real que viria e se tornar parte do motivo de sua queda.

A angústia de Anakin

Ataque dos Clones revela o quanto essa Ordem supostamente virtuosa estava tendo seu julgamento obscurecido pela comodidade e pelo orgulho, sendo incapazes de perceber, pela Força, tanto as movimentações dos seus inimigos numa esfera galáctica, como o exército encomendado em segredo pelo Mestre Sifo Dias (eu vou sempre escolher a tradução mais sacana dos nomes), quanto o conflito tremendo sendo gerado num jovem já traumatizado, que precisa cada vez mais abrir mão das poucos relações humanas que lhe restam.

A cena do massacre do Povo da Areia é o ápice desse tumulto interno, exteriorizado porque Anakin simplesmente não sabe mais o que fazer com tanta angústia. Só para relembrar, após uma série de visões de sua mãe em sofrimento, Anakin e Padmé voltam a Tatooine e descobrem que Shmi se casou com um fazendeiro chamado Cliegg Lars, mas foi sequestrada por uma tribo Tusken. Anakin a encontra prestes a morrer, e, num ataque de fúria, mata “não só os homens… mas as mulheres e as crianças também! Eles são animais!”, grita o torturado Jedi enquanto desaba em prantos no colo de Padmé ao som da marcha imperial icônica que acompanharia cada um dos seus passos sombrios dali para frente.

Anakin na estrada da fúria.

Sempre achei esse momento extremamente devastador. Uma promessa assustadora do que George traria no filme seguinte, mas que serve, nesse momento específico, para aproximar de vez o futuro casal Skywalker, quando Padmé ouve essa confissão tão genuína — um misto de alívio e culpa — e apenas consola Anakin em silêncio.

Geonosis e o Conde

A partir daí, os dois partem para resgatar Obi-Wan em Geonosis, e as duas tramas se unem numa sequência de momentos memoráveis: a ótima cena da arena, com os três personagens enfrentando, cada um, um tipo de criatura diferente (mais uma prova da criatividade visual admirável dos prequels), a batalha populosa entre Jedis e clones dentro da arena, que depois se desloca para um deserto imenso do lado de fora, finalizando, eventualmente, no conflito com o Conde Dooku (sim, DOOKU).

Dooku, aliás, é uma criação de personagem divertidíssima, pensando no quanto Star Wars costuma homenagear gêneros clássicos do cinema. Nesse sentido, o personagem de Christopher Lee não poderia ser outra coisa senão um Conde, numa referência ao seu papel mais famoso como o eterno Drácula dos filmes da Hammer, incluindo aí uma capa e a postura aristocrática que nunca é abandonada quando ele se entrega à sua vilania.

Christopher Lee como os condes Drácula e Dooku.

Os problemas do filme

Agora, uma coisa importante a se comentar. Com o tempo, para mim, sinto que muitos dos atributos desses filmes acabam ganhando mais peso que seus defeitos, embora estes estejam obviamente presentes. Os personagens do Episódio II nunca se libertam dos diálogos enrijecidos e da trama funcional. Dooku e Jango Fett, por exemplo, são adversários interessantes mais pela ideia que construímos ao redor deles (amparada, claro, pelo universo expandido das animações, livros e HQs), do que pela boa construção de cenas engajantes dentro do próprio filme.

O desfecho de Jango é prova disso. Após atormentar Obi-Wan durante duas sequências diferentes de ação (a luta em Kamino e a batalha de naves nos asteróides), o caçador de recompensas encontra seu fim nas mãos de um personagem que sequer havia se relacionado com ele antes — o Mace Windu de Samuel Jackson — e que o despacha num golpe tão súbito quanto anticlimático.

Batalha na arena em Geonosis.

Essa talvez seja uma das maiores pedras no sapato de George, enquanto diretor e roteirista. Ele tem uma imaginação formidável e consegue construir um universo bem coeso que se apresenta nos diversos elementos sci-fi e cinematográficos, além de tirar disso discussões interessantes sobre dilemas políticos reais. Mas é na execução dessas ideias que os filmes são impedidos de alcançar seu pleno potencial. O roteiro acaba sempre aprisionando os atores, ao invés de libertando, e a criatividade visual alcançada pelos efeitos digitais revolucionários não deixa de trazer uma artificialidade que remove muito da nossa identificação com aqueles ambientes e situações que os personagens vivenciam.

Mas, contudo, no entanto…

Dito isso, nunca vou deixar de gostar bastante de Ataque dos Clones. Apesar de repetir alguns erros incômodos do filme anterior e jamais alcançar o impacto do filme seguinte, sinto que o Episódio II ainda é uma boa aventura de transição, capaz de ser vista com carinho por aqueles que encontram humor autoconsciente nos seus absurdos (quem não sorri com o monólogo de Anakin sobre a areia?), emoção genuína no seu peso dramático e divertimento nostálgico em sua coleção de cenas legais com sabres de luz… e tudo isso embalado por mais uma trilha sonora contagiante de John Williams, com destaque para o tema agridoce que ele compõe para o casal Skywalker e que sintetiza a beleza triste dessa relação destinada à tragédia.

Aliás, foi o primeiro filme de Star Wars que vi no cinema, e isso a gente nunca esquece.

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